Civil: Direitos LGBTQIAPN+
Uma das características do Direito é a sua mutabilidade, que busca adaptar as leis e costumes de um determinado local de acordo com a evolução da sociedade
Paulatinamente, as leis brasileiras e os entendimentos do Supremo Tribunal Federal evoluem para garantia dos direitos fundamentais de todas as pessoas, independente de sua raça, cor, religião ou preferência sexual.
O Brasil ainda engatinha no respeito às minorias, por isso, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu que atos ofensivos praticados contra pessoas da comunidade LGBTQIAPN+ podem ser enquadrados como injúria racial. A decisão foi tomada na sessão virtual concluída em 21/8, no julgamento de recurso (embargos de declaração) apresentado pela Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT) contra acórdão no Mandado de Injunção (MI) 4733.
No julgamento do mandado de injunção, em junho de 2019, o Tribunal havia reconhecido a omissão do Congresso Nacional em criminalizar a discriminação por identidade de gênero e orientação sexual e determinado o enquadramento da homotransfobia no tipo penal definido na Lei do Racismo (Lei 7.716/1989), até que o Legislativo edite lei sobre a matéria.
Em seu voto pelo acolhimento do recurso, o relator, ministro Edson Fachin, explicou que, no julgamento do Habeas Corpus (HC) 154248, também de sua relatoria, o STF já havia reconhecido que o crime de injúria racial é espécie do gênero racismo e, portanto, é imprescritível. Essa posição também foi inserida na legislação pelo Congresso Nacional por meio da Lei 14.532/2023.
Assim, para o relator, uma vez que a Corte, no julgamento do MI, reconheceu que a discriminação por identidade de gênero e orientação sexual configura racismo, a prática da homotransfobia pode configurar crime de injúria racial. "A interpretação que restringe sua aplicação aos casos de racismo e mantém desamparadas de proteção as ofensas racistas perpetradas contra indivíduos da comunidade LGBTQIAPN+ contraria não apenas o acórdão embargado, mas toda a sistemática constitucional", afirmou.
Desta forma, firmou-se o entendimento na Corte, que a discriminação por identidade de gênero e orientação sexual, pode configurar crime de injúria racial.
Na mesma toada, houve a conquista de outros direitos reconhecidos pela Corte, vejamos:
1. ADPF nº 132 e ADI nº 4.277: união estável homoafetiva
Trata-se de arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF nº 132) que
tem como objeto a interpretação conforme dos arts. 19, II e V, e 33 do Decreto-Lei
nº 220/1975 (Estatuto dos Servidores Públicos Civis do Estado do Rio de Janeiro); e
de ação direta de inconstitucionalidade (ADI nº 4277), com pedido de interpretação
conforme à Constituição do art. 1.723 do Código Civil (CC). O Supremo Tribunal
Federal recebeu a ADPF como ADI e julgou procedentes ambas as ações, para o
fim de excluir qualquer significado que impeça o reconhecimento da união entre
pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, atribuindo-lhe, ainda, as mesmas
regras e consequências jurídicas inerentes à união estável heterossexual.
2. ADPF nº 291: crime de pederastia ou outro ato de libidinagem no
âmbito militar
Trata-se de arguição de descumprimento de preceito fundamental que tem como
objeto o art. 235 do Código Penal Militar. O Supremo Tribunal Federal julgou
parcialmente procedente a ação e declarou não recepcionados pela Constituição
Federal os termos "pederastia ou outro", bem como a expressão "homossexual ou
não", constante do caput do dispositivo, por conflitarem com o direito à liberdade
de orientação sexual.
3. RE nº 646.721: equiparação de regime sucessório entre cônjuges e
companheiros em união estável homoafetiva
Trata-se de recurso extraordinário que tem por objeto a inconstitucionalidade do art.
1.790 do Código Civil, à luz dos arts. 1º, III, 5º, I, e 226, §3º, da Constituição Federal.
O Supremo Tribunal Federal deu provimento ao recurso e declarou o direito do recorrente à herança de seu companheiro, com base nos princípios da dignidade
da pessoa humana, da igualdade, da proporcionalidade, da vedação do retrocesso,
assim como tendo em vista a não hierarquização entre entidades familiares.
4. ADI nº 4.275: alteração do nome e sexo de pessoas transexuais no
registro civil
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade que tem como objeto o art. 58
da Lei nº 6.015/1973. O Supremo Tribunal Federal julgou procedente a ação e
atribuiu ao dispositivo interpretação conforme à Constituição e ao Pacto de São
José da Costa Rica, à luz dos direitos à dignidade, à honra e à liberdade, entre
outros, para reconhecer aos transgêneros o direito à substituição de prenome e
sexo no registro civil, independentemente da cirurgia de transgenitalização ou da
realização de tratamentos hormonais ou patologizantes.
5. RE nº 670.422: alteração do nome e sexo no registro civil de pessoas
transexuais mesmo sem intervenção cirúrgica
Trata-se de recurso extraordinário que tem por objeto a inconstitucionalidade dos
arts. 55, parágrafo único, 56 a 58, caput e seu parágrafo único, da Lei 6.015/1973,
Lei dos Registros Públicos (LRP), à luz dos arts. 1º, III; 3º, IV; 5º, X; e 6º da Constituição Federal. O Supremo Tribunal Federal deu provimento ao recurso para
reconhecer às pessoas transgêneras o direito subjetivo à alteração de seu prenome e de sua classificação de gênero no registro civil, independentemente de
procedimento cirúrgico de redesignação. Determinou a averbação da informação
à margem no assento de nascimento, vedada a inclusão do termo "transexual".
6. MI nº 4.733: criminalização da homotransfobia
Trata-se de mandado de injunção, cujo objeto é a omissão do Congresso Nacional quanto ao seu dever de criminalização de condutas ofensivas, ameaçadoras e discriminatórias, em razão da orientação sexual e/ou identidade de gênero.
O Supremo Tribunal Federal julgou procedente a ação para: (i) reconhecer a
mora inconstitucional do Legislativo e (ii) determinar, com efeitos prospectivos,
a aplicação da tipificação constante da Lei 7.716/1989, pertinente aos crimes de
discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, à discriminação por orientação sexual e/ou identidade de gênero, até que se
venha legislar a respeito.
7. ADO nº 26: criminalização da homotransfobia
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade por omissão que tem por objeto a
omissão do Congresso Nacional na criminalização de condutas homotransfóbicas.
O Supremo Tribunal Federal conheceu parcialmente da ação e, em tal extensão,
julgou procedente o pedido para afirmar a inconstitucionalidade por omissão e
determinar que, até que sobrevenha norma a respeito, deve-se aplicar a condutas
homotransfóbicas a Lei 7.716/1989, que tipifica os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
8. ADPF nº 457: divulgação de material escolar sobre gênero e orientação
sexual
Trata-se de arguição de descumprimento de preceito fundamental que tem como
objeto a análise da constitucionalidade da Lei 1.516/2015 do Município de Novo
Gama (GO), que proibiu a divulgação de material sobre "ideologia de gênero"
nas escolas. O Supremo Tribunal Federal julgou procedente o pedido formulado
na ação, para declarar a inconstitucionalidade, formal e material, da referida legislação, por usurpação da competência privativa da União para legislar a respeito
de diretrizes e bases da educação, do princípio da liberdade de aprender e de
ensinar, e do dever estatal de combate à discriminação por orientação sexual e
de gênero, entre outros.
9. ADI nº 5.543: doação de sangue por homossexuais
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade que tem como objeto o art. 64, IV, da Portaria nº 158/2016 do Ministério da Saúde, e o art. 25, XXX, "d", da Resolução da Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA (RDC nº 34/2014 da ANVISA). O Supremo Tribunal Federal julgou procedente a ação para declarar inconstitucionais os referidos dispositivos, por configurarem indevida discriminação por orientação sexual e ofenderem a dignidade da pessoa humana e o direito à igualdade.
10. ADPF nº 461: ensino sobre gênero e orientação sexual nas escolas
Trata-se de arguição de descumprimento de preceito fundamental que tem
como objeto a análise do art. 3º, X, parte final, da Lei 3.468/2015 do Município
de Paranaguá (PR), que que veda o ensino sobre gênero e orientação sexual. O
Supremo Tribunal Federal julgou procedente o pedido formulado na ação, para
declarar a inconstitucionalidade, formal e material, do dispositivo em questão,
uma vez que a norma compromete o acesso de crianças, adolescentes e jovens
a conteúdos relevantes, pertinentes à sua vida íntima e social, em desrespeito à
doutrina da proteção integral.
Fonte: Direito das pessoas LGBTQIAP+ | 18 Cadernos de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: Concretizando Direitos Humanos
Imagem: Hugo Barreto - Metrópoles